“Ouvia tiros e mísseis ao fundo ao falar com meus pais”, relata emigrante ucraniana
22 Mar, 2022
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Quando você fala com pessoas na Ucrânia, proucura palavras para tentar anima-las e parecer forte, mesmo que na realidade você queira chorar e gritar por elas estão longe e no lugar mais perigoso e ameaçado do mundo. Muito menos é reconfortante você falar com seus pais e ouvir mísseis e metralhadoras em segundo plano

.Desde de que a guerra começou, a vida mudou totalmente, você mal dorme às vezes e acorda a cada duas horas para ver as últimas notícias e se seus entes queridos estão em perigo .
Você não sabe que dia da semana é, mais você sabe exatamente  que dia da guerra é desde que começou.

Assim relata seus últimos 25 dias a ucraniana Anna  Znakhurenko, ex-moradora de Mariupol. Mais próxima da fronteira russa entre as grandes cidades ucranianas, Mariupol vive hoje a maior tragédia humanitária deste conflito. Sitiada e constantemente atacada pela artilharia russa, boa parte da cidade encontra-se em ruínas, à beira de uma catástrofe.

Por favor quem vai sair agora do bairro oriental de Mariupol, ajudem a tirar meus pais!!! , pedia ela desesperada nas redes sociais

“Faz 23 dias que não tenho contato nenhum com toda minha família – pais, irmãos, tios, sogros, amigos – que vivem no primeiro bairro após a fronteira com a Rússia; estão disparando muitíssimo e não conseguem sair do porão onde estão abrigados”, conta Anna impotente desde Palma de Mallorca, na Espanha, onde vive com marido também de Mariupol. “Confio que estão vivos e ok; só rezo muito todos os dias e não vejo a hora de poder abraçá-los”.

Rússia, e a meros 4 km da República Popular de Donetsk, território separatista apoiado pelo governo de Vladimir Putin, que em 22 de Fevereiro, às vésperas da invasão, o reconheceu como país independente junto da República Popular de Lugansk. Juntos, ambas formam a região do Donbass.Anna não sente na própria pele a guerra em sua terra natal, mas convive com o conflito como quase 6 milhões de ucranianos que emigraram do país antes mesmo da invasão. Nos últimos 26 dias esse número já aumentou em mais de 3,5 milhões, na maior crise de refugiados da Europa desde a Segunda Guerra Mundial.“Minha cidade está à beira de uma catástrofe humanitária! Não têm água, comida, remédios, além de estarem há 25 dias sem abastecimento de luz, água nem calefação; Mariupol precisa de ajuda já, ou quase 500.000 pessoas vão morrer enquanto os russos não estabelecem de verdade um corredor para a evacuação da população”.Somente na última terça-feira (15) uma tentativa de evacuação de moradores da cidade por um corredor humanitário teve êxito, e quase 30.000 pessoas deixaram Mariupol. Antes disso, no entanto, a UE (União Europeia já havia contabilizado 2.500 mortes sob os ataques russos, ou quase três vezes o total de civis mortos em todo o conflito segundo a ONU.Desde o começo de março a organização Médicos Sem Fronteiras vem apontando a necessidade de coletar neve e água da chuva para os moradores. Segundo o depoimento de um membro da organização, há filas imensas para pegar água e não está claro onde se pode conseguir pão.“Um dia você acorda para a notícia de que eles vão construir um corredor humanitário pelo qual seus parentes poderão ser salvos. Você está feliz e cheio de esperança. Mas as horas passam e não há corredor. Os russos não respeitaram o cessar-fogo e cancelaram a única possibilidade de sair ou de ter comida trazida de fora. No dia seguinte eles anunciam novamente o corredor. A mesma coisa acontece. Você não acredita mais em nada…”No domingo (6) uma família inteira que tentava deixar Irpin, vizinha a Kiev, foi morta pelo disparo de morteiros no meio da rua, ao cruzar uma avenida com malas nas mãos. Pai, mãe, filho adolescente e uma criança de cerca de oito anos foram vítimas do exército ocupante, que desde o dia 24 de Fevereiro tenta avançar para Kiev.Três dias depois uma maternidade de Mariupol foi bombardeada, causando vítimas entre recém-nascidos e grávidas. À época o governo russo alegou que o ataque havia sido contra um armazém da milícia ucraniana Batalhão Azov e acusou uma grávida ferida registrada em fotos de ser uma atriz muito bem maquiada. Poucos dias depois a gestante morreu em decorrência dos ferimentos.O ataque foi condenado pelo o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que prometeu vingar a família assassinada. “Eles (família) estavam só tentando sair da cidade, escapar. A família toda. Quantas famílias perdemos na Ucrânia… Nunca vamos perdoar! Nunca vamos esquecer! Vamos punir todos que cometeram atrocidades nessa guerra”, afirmou.Ao longo das últimas semanas, foram feitas ao menos três tentativas frutradas de retirar civis da cidade portuária. Os dois lados trocaram acusações de violação das condições que possibilitariam a retirada. Já a Cruz Vermelha alerta que uma das estradas apontadas como rota de evacuação de Mariupol está completamente tomada por minas terrestres. Segundo Dominik Stillhart, Diretor de Operações da entidade, a situação para quem tenta deixar a cidade é extremamente perigosa.

A guerra nos muda mesmo a distância

As
 
As irmãs Viktoriia e Anna Znakhurenko, na foto de 2011 em Kiev, vivem atualmente na Espanha, mas toda a família está em Mariupol, sem conseguir sair da cidade e sem abastecimento de luz, água, calefação ou comunicação“A guerra também muda suas rotinas diárias. Todos os dias antes de a comunicação ser cortada, a manhã começava com a checagem de que seus pais e parentes estavam vivos. Isso lhe dá coragem para seguir adiante. Da mesma forma, quando você vê seus amigos on-line em todas as partes da Ucrânia, isso lhe assegura que eles estão vivos!Nos primeiros dias em Mariupol, eles atiraram em um abrigo que construíram para as pessoas que vieram em busca de asilo em 2014, após o começo da guerra separatista e lá permaneceram.Então você vê nas notícias que a rua de um prédio afetado é o da sua tia, começa a se lembrar do número de edifícios, e não pode acreditar que é deles... depois de 2 horas tentando contatá-los desesperada, eles respondem que estão vivos, essa é a única coisa que importa para você nesta vida. Seu maior desejo nesta vida é poder abraçá-los mais uma vez.Quando as comunicações foram cortadas e não pude ouvir mais nada da minha famíla, passei a procurar informações sobre danos a edifícios. Em cada mensagem e cada foto, você espera não encontrar sua casa ou a casa dos seus parentes.
Quando você entende que seus entes queridos estão em grande perigo e não têm eletricidade, água, aquecimento (com temperaturas abaixo de zero na rua) e nenhuma rede de internet ou celualar, nem gás, comida ou água potável, você começa a acreditar em Deus e a rezar. Também começa a fazer doações e a ajudar o máximo possível.
Estou orgulhosa de meu país, pelo exército, por seu presidente, pelas pessoas que conheço e foram defender suas terras... eles são nossa esperança.Você começa a rir quando descobre que os ciganos roubaram um tanque, que um fazendeiro levou outro tanque com um trator, que uma avó neutralizou um drone com um frasco de picles… Mas depois vem a parte difícil: saber que uma mãe perdeu a filha de 18 meses de idade com pneumonia por estar em um abrigo frio e úmido por muito tempo; saber que pessoas em Berdyansk, Kherson e outras cidades igualmente sitiadas ou controladas saíram para se manifestar em perigo de morte.Na noite em que os russos estavam atacando a maior usina nuclear da Europa, você entende que eles não têm mais nada sagrado, então nada e ninguém está seguro.Em resumo, sentimos e sofremos muito desde aqui, mas não podemos sequer imaginar o que as pessoas na Ucrânia estão sentindo e passando, sem saber se sobreviverão a este dia, dormindo em porões ou abrigos sem comida e incomunicáveis ou escapando de bombas quando o alarme é soado, ficando sem comida e água, sem poder se comunicar com seus entes queridos.Só há uma maneira de resolver isto, e que é para que todos saibam o que está acontecendo no país e para ajudar a Ucrânia.”

Fonte: Yahoo notícias
Redação Interativa do Vale
Edição : Carlos Renner Prestes
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